20 de novembro de 2007

EM BUSCA DE UM MUNDO PERDIDO

Folk Magazine Português
Procurar saber o que aconteceu no passado foi sempre uma tarefa que despertou uma curiosidade natural. Nos nossos dias, dada a vertigem do progresso tecnológico, as mudanças sucedem-se a uma velocidade estonteante. As realidades com as quais lidamos como se sempre tivessem existido (telemóveis, internet, multibanco) têm, afinal, uma história que se resume a umas escassas dezenas de anos.
No caso de Portugal, a esta situação teremos de acrescentar as mudanças decorrentes do restabelecimento da democracia, proporcionado pela revolução de Abril de 1974. É a partir daí que o país se lança numa série de transformações que alteraram completamente os tecidos económico e sociológico. O fim do mundo rural, tal como era conhecido até aí, afigurou-se como irreversível. A utilização da mecanização, a invasão dos meios de comunicação de massas (primeiro a rádio e mais tarde a televisão), a deslocação de populações rumo aos grandes centros urbanos do litoral transfiguraram o «modus vivendi». Diversas práticas culturais começam a esvaziar-se de sentido e, naturalmente, iniciam uma trajectória rumo à extinção. A televisão cria plateias silenciosas e o ambiente dos serões, pouco a pouco, vai desaparecendo, perdendo-se, assim, a transmissão das canções, dos romances, das histórias, dos jogos, em suma, de uma variedade infindável de formas de cultura popular.
A mecanização da agricultura, por sua vez, esvazia de sentido as canções de trabalho. (É impossível cantar ao volante de uma ceifadeira mecânica ou quando se utiliza um motor de rega.) O decréscimo da religiosidade, por sua vez, faz esquecer alvíssaras e encomendações das almas.A população envelhecida do mundo rural, portadora de saberes ancestrais e empíricos, dadas as mutações apresentadas, coloca agora em questão o valor da sua cultura. Este facto acarreta consequências incalculáveis. Significa desconstruir toda uma experiência de vida e muitos dos pilares em que assenta a organização cultural de diversas gerações. Daqui decorrem, necessariamente, hesitações, fragilidades e medos. Expressões do tipo “isso são coisas antigas; não interessam nada”, repetidamente escutadas quando se faz trabalho de campo (recolhas), são a prova evidente desta situação.

Na foto, o tocador Manuel Almeida
Julgamos que registar recolhas, para além da importância inerente (salvaguarda de um valiosíssimo património imaterial), constitui também uma oportunidade para valorizar os portadores desse mesmo património, aumentando-lhes, assim, a auto-estima. Terá, portanto, uma dupla função (social e cultural) e reunirá um legado para as gerações vindouras. O lugar-comum “cada velho é um tesouro”, tantas vezes repetido por investigadores e etno-musicólogos, leva-nos à necessidade de descobrir urgentemente tais tesouros. As gerações vindouras, mesmo que o queiram, nunca o poderão fazer.
From: César Prata é etnomusicólogo, músico e produtor

Jan Kubelik plays "Zephyr" by Hubay