20 de agosto de 2008

Arara




Índia Arara se banha, com criança© Nair Benedicto

Considerados extintos por volta da década de 1940, quando escasseiam notícias sobre sua movimentação pela região, os índios conhecidos por "Arara" no vale do médio Xingu voltaram à cena com a construção da rodovia Transamazônica, no início dos anos de 1970. O trecho que hoje liga as cidades de Altamira a Itaituba, no Estado do Pará, passou a poucos quilômetros de uma das grandes aldeias onde vários subgrupos Arara se reuniam no período de estiagem. A estrada cortou plantações, trilhas e acampamentos de caça tradicionalmente utilizados pelos índios. O que antes já era um povo pequeno foi apartado pela "estrada da integração nacional": seu leito principal, suas vicinais, seus travessões, suas picadas e clareiras acessórias formaram barreiras, impedindo o trânsito dos índios pelas matas e impondo limites à tradicional interação entre os subgrupos que, vivendo dispersos pelo território, articulavam-se numa rede intercomunitária coesa.A consolidação do longo processo de atração, a partir de fevereiro de 1981, depois de mais de uma década de frustradas tentativas de contato, encontra alguns dos subgrupos Arara já desunidos e afastados. Pelo menos quatro deles ao sul do leito da nova rodovia, na altura do km 120, aglutinaram-se para enfrentar a penetração não indígena no território. Um outro ao norte, isolado e em fuga constante, é contatado em 1983, já com a ajuda daqueles contatados dois anos antes. Ainda mais um é contatado em 1987, já muito longe dos demais, apartado dos outros por razões internas ao povo Arara, mas cada vez mais isolado e restrito aos cantos mais ermos do território devido à ocupação e à exploração econômica avivadas na área indígena. Este último subgrupo talvez seja aquele submetido à situação pós-contato mais dramática, que ainda perdura pela indefinição oficial sobre as áreas destinadas aos Arara.

Um mito de origem do mundo terreno explica o padrão de dispersão territorial que historicamente os Arara mantinham no interflúvio Tapajós-Tocantins.

Originado num cataclismo celeste causado por uma enorme briga entre parentes, o mundo terreno foi o palco de um acordo político entre aqueles que, por serem causadores da tragédia inaugural, foram condenados a viver no chão. A divisão em pequenos subgrupos, independentes e autônomos, mas integrados numa rede de prestação intercomunitária, sobretudo para as temporadas de caça e festas, teria sido estabelecida como uma espécie de pacto a garantir a não repetição dos conflitos que deram origem à vida terrena. Também o etnônimo de que se servem tem relação com o mito de origem: Ukarãngmã - quase que literalmente "povo das araras vermelhas"- é como se denominam, numa referência à participação que aqueles pássaros teriam tido logo após a tragédia que deu origem ao mundo terreno. No mito, foram as araras vermelhas que tentaram levar de volta aos céus muitos dos que de lá caíram.