Arte antiga
A arte antiga da Cetraria tem como mais recuado testemunho iconográfico um baixo relevo representando um cetreiro empunhando uma ave caçadora, encontrado na Mesopotâmia, nas ruínas de Korsabad. Tal testemunho permite estabelecer como sendo praticada a Cetraria cerca de 1400 anos antes de Jesus Cristo.
Mas, para além da documentação e através de toda uma série de elementos, pode deduzir-se, com sentido lógico, ter a Cetraria tido o seu início de uns 5000 a 10 000 anos antes de Cristo, em plena época neolítica.
Teriam sido os Citas, povo ariano que para si disputaria a honra de considerar-se o mais antigo da Terra que, além de contar com a glória da domesticação do cavalo, primeiro estabeleceria a livre aliança entre os homens e as aves de presa melhor dotadas, por forma a caçarem em mútua colaboração, mas em completa liberdade, situado cada qual no seu meio: aos homens seria difícil apropriarem-se da saborosa fonte de alimentação que constituiriam determinadas aves habitantes da imensidão das estepes, nomeadamente a cobiçada abetarda-hubara. Idêntica dificuldade tinham os falcões selvagens: ao sobrevoarem os territórios onde as hubaras se encontravam, estas mimetizavam-se com o solo, de pescoço estendido, passando despercebidas ou não permitindo ao falcão possibilidades de ataque. E daí o jogo: os homens avançavam em busca das peças apetecidas emitindo talvez típicos gritos guturais; os falcões selvagens sobrevoá-los-iam sabendo que seria levantada caça; as abetardas, apesar do receio do falcão em voo, levantar-se-iam à aproximação dos caçadores; o falcão, atento, desceria do alto como um dardo vivo, derrubaria mortalmente uma das aves de 3 a 4 Kg. Os homens sabiam deter-se, esperar que o falcão saboreasse a sua refeição, no máximo de algumas dezenas de gramas e que, por sua vontade, se fosse então embora consentindo, depois, em que os seus aliados se apropriassem da quase totalidade da presa. Este seria o princípio básico da arte da caça de Cetraria, a respeitar pêlos cetreiros de todos os tempos: o mútuo entendimento e a livre colaboração entre «o mais poderoso caçador da terra — o homem — e o mais perfeito caçador do ar — o falcão». Daqui em diante a arte da Cetraria foi-se sublimando de requinte, desde o colocar-se o falcão sobre o punho enluvado até chegar-se às subtilezas do uso do «rol» e do «caparão» e a prearem-se peças que as aves caçadoras não preavam até aí por sua natural iniciativa.Da região outrora habitada pelos Citas — a oeste das montanhasAltai, entre os rios Ural e Irtich e a norte do mar Arai— a Cetraria teria irradiado para o Sul, como o demonstra o baixo-relevo atrás mencionado; para o Oriente, onde chegou até à China e ao Japão, já nos princípios da era cristã; para o Ocidente, com as tribos germânicas. E é curioso verificar-se que aquela zona é hoje habitada por kirghizes, nómadas e cavaleiros de origem mongólica, que continuam caçando com aves de presa, sobretudo águias-reais que lhes dominam lobos e raposas na imensidão da estepe. Pode afirmar-se que a Cetraria era já praticada na Europa — onde viria a atingir o mais alto esplendor e perfeição — muito antes das Cruzadas. E se não, repare-se: a primeira cruzada ocorreu nos anos de 1096 a 1099 e no entanto já anteriormente aos Merovingios, consequentemente antes de 448, aqui se caçava com aves de presa; no século VI, além da nobreza eram muito os membros do clero que apaixonadamente se entregavam a esta modalidade: os concílios de 506, de 517 e de 518 proibiram esta prática ao prelados; esta interdição veio a ser confirmada pelo imperador Carlos Magno, nos Capitulares, no primeiro dos quais, em 800, se legislava sobre a protecção das aves próprias para a Cetraria. As Cruzadas, isso sim, marcam um avanço decisivo na conquista das maiores subtilezas desta arte, pois que da Terra Santa, com os cavaleiros da primeira cruzada, vieram os segredos do uso do «rol» e do «caparão», já utilizados pelos árabes, e sem os quais as aves própria para o alto-voo — os falcões — não poderiam empregar-se no seu maior e mais espectacular rendimento — o verdadeiro lance de «altanaria». Depois, o progresso maior imprimido à modalidade ficou a dever-se ao grande entusiasta, praticante ele mesmo, espírito culto e de sensibilidade artística, que viveu de 1194 a 1250 e que foi Frederico II de Hohenstaufen, rei da Sicília e chefe do Sacro Império Romano-Germânico. Ele próprio foi o autor do famoso tratado «De Arte Venandi Cum Avibus», livro notável escrito no seu Castel dei Monte. Frederico II trouxe à Europa muitos dos melhores falcoeiros árabes da Síria e da Terra Santa que aqui introduziram técnicas que permitiram à Cetraria europeia evoluir ao ponto de, como atrás se disse, vir a ser a mais perfeita e de mais requintado espírito, chegando-se ao ponto de falcões e açores se tornarem para seus donos e amigos bens inalienáveis, como as suas espadas de cavaleiros.
Aclare-se, porém, que quanto a tamanho a primazia coube à Ásia: o Imperador Mongol Gengis-Kan possuiu a maior Cetraria do mundo, com uma 5000 aves caçadoras, de variadas espécies, que nas grandes caçadas levadas a efeito como autênticas manobras de treino militar, eram divididas por grupos de 100, de 200 e de mais, a cargo de centenas de cetreiros.
Na Península Ibérica igualmente floresceu a Cetraria e não só a partir das invasões mauritânicas, como alguns pretendem: ela entrou aqui com os visigodos, pelo norte, e depois com os árabes, pelo sul. As primeiras notícias escritas da sua existência, aquém Pirenéus, surgem-nos no século IX, com os bispos Severino e Ariúlfo, refugiados nas Astúrias, mencionando as suas açoreiras, o mesmo sucedendo com Ordonho I ao confirmar o testamento de Afonso, o Casto, em 897. E é até curioso como através dos antigos poemas peninsulares, dos velhos romanceiros e cantares medievais, se pode notar a evolução, aqui, desta folgança cinegética: primeiramente o lugar de honra, como inseparáveis companheiros dos cavaleiros, pertence aos impetuosos açores e somente mais tarde surgem com maior evidência os falcões. Fala-se mesmo de «açoreiras» para referir as «mudas» e nclusivamente na heráldica aparece, no século X, um escudo de armas contendo sobre o campo, como principal figura que lhe servirá de timbre, um açor voante com uma perdiz nas garras. Mas logo de seguida, no século XI, no formoso «Cantar de Mio Cid», já o leal e valente Campeador, à saída de Bivar, volve com sentida saudade o rosto entristecido para as suas «alcandoras» vazias não só deaçores mudados como também de falcões-nebris. E, como nota amenizante, vale a pena referir a mais antiga notícia que conhecemos sobre a existência e o gosto pela Cetraria em território do que viria a ser o nosso País: longe estaria ainda Portugal para nascer, em terras da Beira-Alta de hoje, a tradição escrita e oral afirma ter um rei visigodo acompanhado a sua rainha, que nos braços levava um filho doente, até ao altar de uma capela onde era venerada a Virgem Maria, a fim de que ao menino fosse concedida a saúde perdida. Foi a prece atendida e, enquanto a rainha orava, esperava em terreiro o rei e a comitiva. Nesta, um pagem mantinha sobre o punho enluvado um precioso açor de caça do soberano. Mas por inadvertência do moço voou-lhe o açor e aquele rei antigo logo ali condenou o rapaz ao corte da mão se acaso a ave não foste recuperada. Aflito e ajoelhando, o pagem implorou o auxílio de Santa Maria e, perante a admiração e o folgar de todos, viu-se o irrequieto açor, voando, tornar à luva do donzel. Daí por diante e em memória do caso se ficou denominando a venerada imagem, na capela existente, por Senhora do Açor, e à singela ermida acorreram romeiros. Já mais tarde, no século XII, em tempos d'el-rei Dom Sancho I de Portugal, ali próximo se encontraram para batalha, em formosa noite luarenta, leoneses e portugueses. Rogaram estes a protecção divina por intermédio da invocação de Nossa Senhora do Açor. A batalha foi ganha e mais se afervorou aquela devoção pelo tempo adiante: em voto de homenagem e de agradecimento ali iam depois as Câmaras de Celorico, de Linhares, da Guarda, de Algodres e de Trancoso e, inclusivamente, no foral por el-rei Dom Manuel I concedido a Celorico, já em 1512, era determinado que a terça parte dos montados e maninhos fosse gasta com os cavaleiros e os escudeiros que uma vez por ano fossem em romagem à ermida da Senhora do Açor, cuja festa era a 3 de Maio e, presentemente, coincide com a do Espírito Santo.
O apogeu da Cetraria europeia, o maior refinamento da arte, foi alcançado nos séculos XIV a XVII. A decadência vem a verificar-se, inicialmente, com o aperfeiçoamento das armas de fogo e posteriormente com as modificações sociais resultantes da Revolução Francesa. Contudo, não se chegou nunca ao aniquilamento total: um que outro cetreiro, um que outro agrupamento, mantiveram na Europa a chama viva do fogo antigo. Sobretudo na Holanda e no Reino Unido.
Em Portugal onde, desde o início da primeira Dinastia, igualmente floresceu esta requintada forma de caçar, pode considerar-se ter a Cetraria declinado para um rápido ocaso com o desastre de Alcácer-Quibir: sintomaticamente, quando no século XVIII se pretendeu pôr em marcha a Falcoaria de Salvaterra, foi necessário contratarem-se mestres estrangeiros. Para além disso, conhecidos, apenas um ou outro caso, dos quais é justo destacar-se o do grande pintor — e matemático, astrónomo, columbófilo e atirador à pistola que foi Constantino Fernandes, falecido em 1920. Nuno de Sepúlveda Velloso é o precursor da falcoaria Portuguesa da actualidade que conjuntamente com Alfredo Baptista Coelho e José Albano Veloso Coelho mantiveram viva esta tradição.
A designação de Cetraria como é a mais objectiva para definir cabalmente a arte de adestrar, de cuidar e de caçar com aves de presa.Na verdade, esta modalidade cinegética é também frequentemente indicada pêlos termos «Altanaria», «Falcoaria», «Volataria». Mas, «Altanaria», verdadeiramente, corresponde a um lance de Cetraria próprio de Falcões postos em alto-voo. «Falcoaria» designará, em sentido restrito, a utilização cetreira de Falcões. «Volataria» pode significar também a utilização de outras aves em outros modos de captura de animais, como corvos-marinhos na pesca e corvos e picanços em rudimentos de caça. Escreveu Diogo Fernandes Ferreira, célebre falcoeiro português escrevia em 1616 - «As feras se caçam e perseguem com cães, e matam a ferro e a fogo, incitando a fereza e a crueldade. A nossa da aves é de princípes, e se faz muito pelo contrário , com amor, com engenho, prudência e sofrimento». Além de ser uma arte de caça espectacular, com baixos índices de capturas, a Cetraria relaciona-se com a protecção da Natureza, a ornitologia e contribui para a salvaguarda de recursos naturais de forma notável e eficiente. Os conhecimentos adquiridos trouxeram o seu mais alto retorno com o lançamento do programa de reabilitação reintrodução do falcão peregrino nos E.U.A., após a sua quase extinção nos anos 60 devido ao uso massivo de DDT. Modernamente são usadas as técnicas milenares da cetraria noutros campos tais como a recuperação e a reintegração no seu meio natural de exemplares selvagens lesionados ou fisicamente diminuídos por eventuais circunstâncias. O controle de aves em locais onde a sua concentração colide com as actividades humanas sem que para tal se necessite recorrer a abates.Para além dos aspectos apontados, também gravita em torno da Cetraria todo um mundo com implicações culturais relacionadas com a história, as artes plásticas, a literatura, a filologia. Daí as reedições, a nível universitário e em diversos países, de clássicos tratados da especialidade, acompanhados, normalmente, por elucidativos e interessantíssimos estudos. Mais que uma prática a cetraria é um modo de vida. Contrariamente ao que é vulgar supor-se, não são necessárias disponibilidades avultadas para exercer a Cetraria: o seu maior custo é a disponibilidade de tempo e territórios com boas densidades de espécies cinegéticas. O facto de não ter sido nunca a Cetraria uma forma comum de caçar explica-se, por um lado, por ser pouco produtiva na apropriação de peças e, por outro, por exigir, por parte de quem a pratica, requisitos inatos de intuição e paixão pela vida selvagem, não se dispensando rijeza de ânimo, disciplina, persistência.Em alto voo, à paragem ou amarração do cão de parar — faculdade desenvolvida pela Cetraria — o Falcão é solto para o ar antes da peça de caça levantar voo, de modo a ascender sobre o terreno de caça -«remontando»—, até se colocar bem no alto, na ordem da centena de metros, onde aguardará descrevendo pequenos círculos — ou «tornos»: ao levantar-se a caça, o Falcão cai então do céu em perfurante e rapidíssimo voo picado, preando no ar, ou derrubando por impacte a presa.É este o autêntico lance de «altanaria» em que os Falções-peregrinos (Falco-peregrinus) podem atingir, ao picar, a velocidade de trezentos quilómetros/hora.Em «baixo-voo», a ave caçadora é lançada directamente do punho enluvado do cetreiro no encalço da peça de caça já em voo ou em corrida. É chamado em Cetraria lance «à vista», «a braço-tornado», ou «em mão-por-mão».Para o «alto-voo» requerem-se grandes espaços abertos, não muito arborizados, e caçam-se aves — patos, perdizes, faisões, etc. (ver espécies pemitidas por lei em «Legislação») Para o «baixo-voo» qualquer terreno é adequado: a planura ou amontanha, o bosque, a ribeira ou a campina e pode caçar-se tanto «pena» como «pêlo» —patos, perdizes, faisões, etc., e lebres e coelhos-bravos (ver espécies permitidas por lei). O «alto-voo» é o mais espectacular, mas também o mais difícil, o mais exigente, com maior número de condicionalismos a par de menor rentabilidade na captura de peças.O «baixo-voo» é menos espectacular, mais produtivo na apreensão de presas. Sob o aspecto da emotividade, um e outro provocam entusiasmo e admiração. Não se olvide que em Cetraria sempre interessa mais a qualidade do que a quantidade, pois que, por exemplo, no baixo-voo, é imensamente mais belo e emotivo conceder-se à caça possibilidades de competir no jogo, permitindo-se-lhe distância, do que prear a poucos metros e quase instantaneamente.
— ALIMENTAÇÃO:As «aves-nobres» de um modo geral e sobretudo os Falcões, são, em seu estado selvagem, ornitófagas. Assim, em Cetraria, a sua alimentação deve, em qualidade, aproximar-se o mais possível daquela que constitui o seu regime natural: pombos, codornizes, etc. etc.; coração de borrego ou de boi (sem nervos nem gorduras), carne de frango — perna ou asa, pescoço, fígado, moela, coração, cabeças com as penas respectivas para favorecer as salutares «plumadas», isto é, as «egragópilas» dos cientistas, formadas por pequena bola ovalóide, constituída por penas e por pêlos ingeridos e que as aves de presa lançam pelo bico após a digestão e são uma purga natural imprescindível à manutenção da saúde das «aves-nobres». Com imensa propriedade Pêro Menino, falcoeiro d'el-rei D. Fernando I de Portugal, designava-as por «Rejeitos».A carne deverá estar em boas condições higiénicas e de proveniência conhecida, uma vez que muitas das doenças que atingem as aves de capoeira são contagiosas às aves de presa. Como medida preventiva mas não totalmente segura, congelam-se as aves adquiridas antes de as fornecer como alimento. São impróprias as restantes carnes de talho e não deve nunca permitir-se que ingiram tubos digestivos e papos, a fim de evitar-se contaminação parasitária. Aves ou mamíferos abatidos com chumbos de caça não serão empregues na alimentação das aves de presa pois poderão sofrer envenenamento por chumbo.As aves de presa adultas devem ser alimentadas uma vez por dia, de forma a terem tempo suficiente a digerir a totalidade da refeição anterior. Alimentar uma ave que ainda não tenha feito a plumada pode ser extremamente perigoso.Relativamente a quantidades, são, pelas mesmas razões, variáveis também. Mas, por exemplo, a uma ave adulta de tamanho médio, bastam-lhe, diariamente, à volta de 120 a 130 gr. de boa alimentação.
http://www.ass-port-falcoaria.pt/info.html