31 de outubro de 2006

Literatura Portuguesa












Capitulo 1
Eça de Queiroz

Na manhã seguinte, Carlos, que se erguera cedo, veio a pé do Ramalhete até á rua de S. Francisco, a casa de Madame Gomes. No patamar, onde morria em penumbra a luz distante da claraboia, uma velha de lenço na cabeça, encolhida n'um chalesinho preto, esperava, sentada melancolicamente ao canto do banco de palhinha. A porta aberta mostrava uma parede feia de corredor, forrada de papel amarello. Dentro um relogio ronceiro estava batendo dez horas. - A senhora já tocou? perguntou Carlos, erguendo o chapéo. A velha murmurou, d'entre a sombra do lenço que lhe cahia para os olhos, n'um tom cançado e doente: - Já, sim, meu senhor. Já fizeram o favor de me falar. O criado, o snr. Domingos, não tarda... Carlos esperou, passeando lentamente no patamar. Do segundo andar vinha um barulho alegre de crianças brincando; por cima, o moço do Cruges esfregava a escada com estrondo, assobiando desesperadamente o fado. Um longo minuto arrastou-se, depois outro, infindavel. A velha, d'entre a negrura do lenço, deu um suspirosinho abatido. Lá ao fundo um canário rompera a cantar; e então Carlos, impaciente, puxou o cordão da campainha

Jan Kubelik plays "Zephyr" by Hubay