10 de junho de 2007

jornal de noticias e birdwatching


Voos cruzados sobre o Cabedelo

De cabeça no ar, sentidos apurados e olhar treinado para descobrir uma ave no céu ou entre a vegetação.
A António Pereira, o químico que se converteu em ornitólogo, basta a breve aparição do pássaro - um saltitar no juncal ou um voo acelerado - para identificar a espécie. A mesma aptidão é partilhada pelo biólogo Rui Brito e pelo técnico de Educação Ambiental Jorge Gomes. Olhar o Cabedelo é ler, entre o areal e as águas do Douro, a biodiversidade que ali vive. Para a generalidade da população, é só mais uma zona de passeio, frequentemente, maltratada.
O gosto pela Natureza e, em particular, a paixão pelas aves tomam conta do tempo livre dos três amigos. Mas estão longe de ser um caso único. Nos Estados Unidos da América, a observação de aves (designada birdwatching) é o "hobby" de eleição de 46 milhões de pessoas, que movimentam 28 mil milhões de dólares (cerca de 20 mil milhões de euros) por ano. Também na Inglaterra, se contam números avultados.
Portugal está muito longe da fasquia norte-americana, há, no entanto, cada vez mais adeptos da modalidade, em que, para dar os primeiros passos, precisa de um par de binóculos e de um guia de aves. A factura não irá além dos 100 euros.
As fotos são partilhadas na Internet. O Flickr é um dos sites onde se encontram centenas de fotografias de observadores lusitanos, entre "birdwatchers" de todo o mundo. Há mais de 10 mil grupos de exposição de fotografias de aves nessa página.
No Grande Porto, o estuário do Douro é rei. Dezenas de pessoas visitam o areal do Cabedelo, em Gaia, para observar os pássaros que por ali passam. É mais frequente encontrar os observadores aos sábados e domingos. Por ano, o estuário acolhe mais de meia centena de espécies. É frequente encontrar-se garças, gaivotas e borrelhos dependendo da época do ano. Os guarda-rios e os corvos marinhos estão lá sempre. Ontem, eram as andorinhas das chaminés - jovens expulsas pelos pais dos ninhos improvisados nos alpendres das casas das redondezas - que captava a total atenção de um observador, com máquina fotográfica pendurada no pescoço."Funciona como local de alimento, descanso e de nidificação para as aves. É um pontozinho nesta zona urbana. Embora não seja muito grande, também não tem concorrência. Numa área de 40 quilómetros, o estuário do rio Douro é o único local com estas características", conta António Pereira, estabelecendo a analogia ao homem em viagem.Escrever a históriaO espaço é de extrema importância para as aves migratórias. À semelhança do posto de abastecimento da auto-estrada, o Cabedelo serve de local de estadia para estes pássaros se alimentarem e recuperarem forças para prosseguir a viagem. Se forem perturbados por cães ou por pessoas a andar de bicicleta, moto-quatro ou cavalos no areal, não conseguem alimentar-se bem para enfrentar milhares de quilómetros de voo. O destino destas aves pode ser trágico a morte por fraqueza ou por ficarem vulneráveis a outros animais.A pensar na preservação, o Parque Biológico de Gaia já tem o acordo da Administração do Porto de Douro e Leixões (APDL) para a criação de um refúgio ornitológico .
"O estuário do rio é uma área que se protege ou se perde", insiste José Gomes, de 45 anos, "vidrado em Natureza desde miúdo". Um gosto de geração espontânea que crê fazer parte do "inconsciente colectivo" do homem, obrigado a descobrir os segredos naturais para sobreviver. Um passado com marca no código genético "Tanto gosto de aves como de borboletas. Tudo me interessa, porque está tudo interligado".Também Rui Brito despertou cedo para a Natureza. Mas foi já na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto que abraçou a ornitologia. "É preciso educar o olhar", aconselha. Ser paciente, saber esperar em silêncio pelo revelar das aves é característica indispensável ao observador. Quem pretende estrear-se nesta modalidade, pode experimentar as sessões de visionamento de pássaros, organizadas, uma vez por mês, pelo Parque Biológico de Gaia.Nos tempos livres, Rui e António dedicam-se, ainda, à anilhagem de aves. Obriga a despachar a preguiça e a acordar horas antes do nascer do sol para estender as redes. Para António Pereira, estes momentos de silêncio são "terapêuticos". Todos os primeiros e terceiros sábados de manhã de cada mês, mostram como se faz no Parque Biológico. "Uma hora antes do nascer do sol, abrimos as redes. Durante cinco horas, fazemos visitas periódicas às redes" para recuperar as aves aprisionadas, conta Rui Brito. "É fantástico ter nas mãos uma ave que atravessou o deserto do Sara", confidencia.
Depois de exames e medições, a ave é anilhada. Todos os elementos são registados numa base de dados europeia. E não raras vezes, são capturados pássaros já com anilha, oriundos de outros países. A tecnologia ajuda a escrever a história da vida destas aves.

From: Carla Sofia Luz,

Jan Kubelik plays "Zephyr" by Hubay