14 de abril de 2007

ANDAI





Joana dedico-te este post ,quando quiseres veres e tocares em passarinhos contacta-me.

A Joana estava um bocadinho triste. É que ela tinha ido ao passeio da Escola, ao Jardim Zoológico e afinal estava ali sentada num banco, quase à entrada do Jardim e não tinha ido com o resto da turma ver os animais. Doía-lhe um pé. Tinha o tornozelo muito inchado e quente e mal podia por o pé no chão. Mas mesmo assim tinha querido ir ao passeio….É que a Joana já há algum tempo que estava doente, com uma doença esquisita, que tinha aparecido de repente e que não a queria deixar.

“ Ora bolas!” Pensava a Joana. “Que porcaria! Agora vou ficar aqui a manhã toda sozinha ou pelo menos até alguém se lembrar de vir ver se eu estou bem? Mas para que é que eu disse que não me importava de ficar aqui? Porque é que eu fui teimosa e disse em casa que não doía nada? É que eu gosto tanto de estar com os meus amigos! Ficar em casa não tem graça nenhuma !É uma seca estar doente. Se vou ter que estar doente ainda muito tempo o melhor é fazer tudo o que posso e gosto. Desde que não me prejudique…E eu pensava que podia fazer um esforço e vir ao jardim. Bolas! Bolas! Tanto que eu gostava de estar a ver os bichos! Tanto que eu gostava de estar com os meus colegas! Que é que eles estarão a fazer? Trouxe dinheiro para um gelado. Mas até comer o gelado é melhor ao pé dos outros. Não gosto de comer o gelado sozinha! Tenho que esperar que venham. Pelo menos a Inês, que é a minha melhor amiga da escola, há-de vir a correr para estar um bocadinho ao pé de mim antes dos outros. Ela ainda disse que ficava aqui comigo. Eu é que não quis…Não era justo. À Inês não lhe dói o pé…”

A Joana estava agora quase a chorar; “ Ainda bem que à Inês não lhe dói nada. Assim ela vai contar-me tudo o que viu e o que aconteceu. Se aqui tivesse ficado ao pé de mim ela perdia a visita e eu perdia o relato que ela vai me fazer”.

A professora de Ciências, a Dr.ª Helena, é minha amiga e ficou com pena que eu não pudesse ir com o grupo. Disse-me que aproveita-se para olhar bem para o que está aqui ao pé. “Sabe, às vezes não é preciso andar muito para ver as coisas melhores. Veja lá o que aqui descobre e depois conta ao resto da turma”. Que seca! Que é que eu vejo aqui sentada? Meia dúzia de passarinhos, árvores, a gaiola dos flamingos e pronto! Pronto! Já está tudo visto! Passaram cinco minutos. Cinco minutos e ainda devo ter que esperar p’ra aí duas horas! Devia era ter ficado em casa! O que é que eu descubro aqui ao pé?! A mulher é maluca! Tem a mania que é uma grande cientista, que sabe coisas muito importantes mas é um bocadinho maluca! A única coisa boa disto tudo é que pelo menos vim na paródia no Metro e vamos fazer um pic-nic todos juntos.

Naturalmente aqui, se eu ainda não poder andar. Vamos lá a ver se daqui a um bocadinho estou melhor… Também não posso ficar aqui sentada muito tempo, senão depois doem-me também os joelhos. Vou-me deitar no banco, com a mochila debaixo da cabeça…


Ah! Que maravilha! Ena pá! Assim vejo o céu e as árvores de outra maneira. Não sei se é melhor ver as coisas de cima para baixo ou debaixo para cima. Porque olhando para cima assim deitada, vejo esta árvore por dentro da copa. Se olhar afastada dela, só a vejo por fora, de frente. Talvez seja mais bonito ver o conjunto, tronco e copa.

Mas é mais interessante descobrir a árvore mesmo deitada debaixo dela. Ver a luz nos ramos, ver os passarinhos a poisar. Olha, lá vai um! Parecia mesmo uma folha a levantar voo!


Ah! Mas que bem que cheira aqui! Já posso dizer à Drª Helena, a professora de Ciências, que gostei de ver a árvore de outra posição. Mas isso não é descoberta nenhuma…Bem olho, mas não descubro nada. É o que eu digo. A mulher é maluca ou então disse aquilo só para me animar. Mas ela não é muito de festinhas e de “peninhas”. Quando soube que eu estava doente até me disse: “Olhe, agora até pode ser ainda melhor aluna, se quiser. Sempre que não poder vir às aulas, estuda em casa que eu sei que você é capaz de acompanhar com facilidade. Matemática e Línguas estrangeiras é que é mais difícil, porque preciso de compreender e praticar, tanto os exercícios como a pronúncia. Mas História, Ciências e outras disciplinas até pode quase estudar sozinha. Não se deixe é ficar a ver televisão, sem fazer nada! Só não trabalha se tiver febre!”

Grand’amiga! Só não trabalha se tiver febre! Gostava de ver se ela gostava de ler um livro pesado se lhe doessem as mãos…É verdade que posso pôr o livro em cima de uma mesa…T’á bem. Mas isso não interessa agora.

Pensando bem a Dr.ª Helena não é nada como as outras professoras. P’ra já, não trata ninguém por tu. Não sei porque mas é assim. E como nos trata como “pessoas crescidas” nós ao pé dela ficamos mais crescidas e não fazemos tantas asneiras. Também já não somos nenhuns bebés! Já temos doze anos e alguns da turma até já têm catorze! Mas a Dr.ª Helena ainda tem outra mania esquisita: usa bata! É verdade! Usa bata, azul forte.

Diz que é para não sujar a roupa de giz. Ela anda sempre impecável; por mais que a gente procure, nunca a conseguimos apanhar nem com malhas nas meias nem nada!

Nunca grita, nunca se enfurece connosco. Mas zanga-se mesmo, principalmente quando não fazemos os trabalhos de casa. “ Esta é a vossa profissão: estudantes! Têm o dever de a cumprir! Tenham respeito por vocês e pelos milhões de jovens que gostariam de estudar e não têm condições para o fazer!” E nós ficamos comprometidos quando ela fala assim.

Só falou duas vezes mas eu fiquei a pensar que se calhar ela tem razão. No resto do nosso planeta há muitos jovens que ainda não têm escolas… Ela também tinha razão quando disse que eu mesmo doente podia ser boa aluna. Ao princípio, há dois anos, achei que era mentira, porque faltei bastante e não tive grandes notas. Mas agora sou das melhores da turma. A melhor a Português, a Francês e a História, boa a Ciências e até comecei a gostar de Matemática, porque a Dr.ª Helena explicou que sem Matemática não se percebe nada de ciências nenhumas. Ela é minha professora há dois anos e eu acho que ela é um bocadinho maluca, ou seja, absolutamente especial.

Já sei! Para o Jornal da Escola vou escrever: “ Como ir ao Jardim Zoológico e não ver os bichos”. Porque eu escrevo para o Jornal da Escola. Eu e a Inês somos redactoras desportivas e eu escrevo às vezes poemas e outros artigos.

Ir ao Jardim Zoológico e não ver os bichos! Que grande seca! O que vale é que eu estou sempre a pensar e a imaginar coisas, senão o que é que eu estava aqui a fazer sozinha ?

É que nem sequer trouxe um livro para entreter! Vou-me sentar outra vez. Ver “o mundo à frente dos olhos” em vez de “ o mundo acima dos olhos”.

Olha os flamingos! Têm uma cor de salmão linda. E os homens do jardim foram espertos em pôr ao pé flores cor de salmão. T’á mesmo giro! Mas não há nada de novo aqui. O que eu gostava era de ir ver as focas, os pinguins, os macacos, os felinos…os bichos diferentes, de sítios diferentes.








Parece que estou a ficar triste. Pronto, é que vou mesmo chorar…Não sei o que é que estou para aqui a fazer…Bolas! Não quero fazer mais nada ! o que eu queria era estar com os outros! Não me apetece fazer nada, nem ver nada. Só me apetece chorar. Vou chorar. Aqui ninguém me vê. Só os flamingos e eles estão muito entretidos com eles mesmos, que é como geralmente anda toda a gente!

A Joana começou a chorar baixinho. Não, era o pé que lhe doía. Assim quietinha não lhe doía o tornozelo. O que lhe doía era ter ficado ali, sozinha. O que lhe doía era não estar ao pé dos outros, a rir, a ver os bichos, a correr e a pular.

Chorou, chorou e chorou, de cabeça baixa, baixinho, muito baixinho, sozinha, muito sozinha. De repente, por entre a névoa das lágrimas, notou que uma grande ave estava perto dela, aí a uns dois metros do banco. Um pavão. Um enorme pavão que se “pavoneava” de um lado para o outro. “ Olá ! De onde é que tu apareceste?” Nisto apareceu outro pavão, mais pequeno. “O Senhor pavão e a Senhora pavoa vieram dar um passeio…”




Joana clicka neste pavão e verás muitos pavões está escrito em Português.



Enxugou as lágrimas. É que o azul das penas dos pavões era tão lindo, tão lindo! Eram azul pavão…o peito e a cabeça eram azuis com reflexos verdes e dourados, as costas verdes com penas bordadas de cobre, com zonas azuis escuras, as penas da cauda eram verdes, com “olhos” brancos desenhados e tudo contornado a ouro! A ouro! Os olhos, cor de avelã, contornados a preto e branco como uma linda máscara e no alto da cabeça uma croazinha de penas frágeis. Verde, verde, azul, azul, oiro, oiro!

Enquanto a Joana se extasiava perante as aves, a sua tristeza foi passando, passando. Os pavões não temiam a sua presença tão próxima. São animais habituados a serem amados e admirados. São belos e parecem que sabem que são belos. Por isso ali ficaram muito tempo, de um lado para o outro, exibindo a sua beleza. A Joana só tinha pena de não saber desenhar e pintar aquelas cores. Só um grande Artista conseguia fazer umas cores assim!”

Estava maravilhada. Talvez não devesse ter estado triste. Uma vez tinha ouvido dizer que nada acontece por acaso. Talvez tivesse sido importante para ela ter ficado para trás, sozinha naquele banco.

Para ver com atenção apenas uma espécie de entre tantas espécies de animais.

O casal de pavões passeava-se alheio aos sentimentos da Joana, que tinha passado da tristeza ao deslumbramento e pensava: ”Que bom que foi estes bichos virem aqui tão perto de mim !


Eu preciso de contar à Inês e ao resto da turma que vi estes pavões tão belos. Eles vão dizer que já viram muitos pavões, que há pavões em muitos jardins. Mas estes são diferentes, são enormes, são lindos, lindos! Ninguém no mundo conseguia fazer umas cores destas! Só um grande, muito grande Artista! pensava de novo a Joana.

Nisto, o pavão maior, o macho, que andava há algum tempo a curvar-se à frente da fêmea, abriu o leque da cauda. Uma cauda de penas enormes, que fez um leque enorme, de oiro e azul, de oiro e azul, com desenhos lindos.


Serão olhos, serão corações ? Que tem o pavão desenhado nas penas da cauda? perguntava-se a Joana.


A pavoa continuava a esgravatar o chão desinteressada do companheiro. Ao fim de um bom bocado de tempo, o pavão fechou o leque e altivamente afastou-se, seguido pela fêmea.

A Joana ficou a pensar nas maravilhas da Natureza, nas cores dos peixes, de muitas aves, das flores e nem deu pelo tempo passar.
Começaram a ouvir-se as vozes do grupo da Joana que regressava. Ela levantou-se devagar e foi ao seu encontro. Estava muito melhor do pé e muito bem disposta.

“Então?” Perguntaram dois ou três ao mesmo tempo. “Então, nada. Já estou melhor…” Retraíra-se. Pensara que talvez a achassem ridícula se dissesse que tinha visto um pavão….

“E vocês?”. “O costume. Os bichos do costume. Foi giro”.
“Está com muito melhor aspecto”, disse a Dr.ª Helena ao chegar perto da Joana.
“Viu alguma coisa de interessante?” Como só a Inês estava por perto a Joana atreveu-se a contar: “Vi um pavão. Acho que vi a ave mais linda do mundo!”


A Drª Helena fez um sorriso cúmplice e feliz que costuma fazer na aula quando alguém chega sozinho à conclusão desejada.

A Inês aproximou-se mais e perguntou: “Como é? Porque é que tu achas que viste a ave mais linda do mundo?” A Joana fez um ar misterioso e disse: “ Vamos comer um gelado! Eu conto-te o que descobri aqui sentada e tu contas-me o que viste na parte do Jardim que visitaram. Depois escrevemos tudo para o Jornal da Escola…”

FIM

Jan Kubelik plays "Zephyr" by Hubay