A EPAL encontrou medicamentos, como antibióticos e anti-inflamatórios, e
cafeína na água que abastece Lisboa. As quantidades são residuais e
estão longe de constituir um perigo para a saúde. Mas a empresa começou a
testar regularmente as nove substâncias detectadas. O objectivo é
controlar o efeito que os químicos que consumimos podem ter na nossa
saúde quando vão parar à água que bebemos
No final dos anos 90, os
cientistas americanos fizeram uma descoberta inquietante. As solhas
macho que nadavam na Baía de Seattle tinham uma proteína que só
costumava estar presente nas fêmeas com ovas.
Um estudo veio a concluir
que esta metaformose se devia à presença na água de hormonas femininas. A
culpa era dos resíduos deixados pelas pílulas contraceptivas.
Estes
peixes efeminados foram a primeira prova de que os resíduos de
medicamentos, hormonas e produtos de higiene pessoal na água podiam ter
efeitos claros na saúde de animais e humanos.
E desde essa altura que os
cientistas tentam perceber que vestígios ficam na água que bebemos de
todos os produtos químicos que produzimos e consumimos.
Se é
certo que, quer através de descargas quer através de excreções de
animais e humanos todos estes produtos acabam nas ETAR (Estações de
Tratamento de Águas Residuais), os investigadores querem perceber se os
químicos vão mesmo parar à água para consumo.
Em Portugal, a EPAL
fez análises para perceber em que níveis de concentração se encontravam
os resíduos dos 31 fármacos mais vendidos.
As amostras foram recolhidas
entre Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012 e o objectivo era analisar até
que ponto os antibióticos, anti-inflamatórios, anti-depresssivos e
anti-convulsionantes que consumimos vão parar à água que é distribuída
pela rede da empresa que abastece 2,9 milhões de habitantes em 34
concelhos da Grande Lisboa.
De todas as substâncias testadas,
foram encontradas nove, das quais só cinco estão em concentrações
possíveis de quantificar pelos métodos de análise existente.
“Encontrámos cafeína, antibióticos e anti-convulsionantes”, explica
Maria João Benoliel, responsável pelo laboratório da EPAL, que olha para
os resultados com alívio.
“Estamos a falar de nanogramas por litro. São
quantidades muito pequenas, todas abaixo dos níveis encontrados, por
exemplo, em França ou nos Estados Unidos, com excepção para a cafeína
que está em valores semelhantes”. Nenhuma das amostras analisadas pela
EPAL continha vestígios de hormonas.
A confiança de Maria João
Beneloiel na qualidade da água que sai das torneiras abastecidas pela
EPAL é muita, mas isso não faz a responsável pelo laboratório ignorar a
presença destes compostos. “Os resultados deixaram-nos muito
descansados. Mas integrámos na nossa monitorização habitual análises a
estes nove compostos que detectámos neste estudo”.
A análise da
evolução da presença destes químicos na água vai permitir perceber
alterações de concentração e cruzar dados com outro tipo de
investigações científicas para perceber que papel podem ter estes
resíduos de produtos que ficam na água no desenvolvimento de algumas
doenças.
Os cientistas querem entender, por exemplo, se o aumento do
cancro dos testículos e a diminuição da qualidade do esperma em alguns
países pode estar relacionado com a poluição da água com resíduos de
produtos como pílulas contraceptivas, shampoos, maquilhagem e produtos
de limpeza de pele.
O que fica por saber é se, por exemplo, é
possível detectar resquícios de drogas ilícitas nas água da EPAL. “Não
fizemos esse estudo. E não conheço análises desse tipo na Europa”,
admite a directora de Controlo de Qualidade da Água da empresa que
abastece Lisboa.
Em relação à água da EPAL, precaução é a palavra
de ordem. “As nossas captações, em Castelo de Bode e Valada (Tejo),
estão em locais muito pouco industrializados, onde a contaminação é
quase nenhuma. Mas estamos muito atentos à qualidade”, sublinha Maria
João Benoliel. A prova disso faz-se todos os dias.
“Fazemos mais de 400
mil análises a cerca de 10 mil amostras de água por ano. Temos uma
preocupação que vai além do que é exigido pelas normas nacionais e
comunitárias. Das cerca de 400 substâncias testadas pela empresa só
cerca de 100 é obrigatório por lei testar”.
No Laboratório Central
da EPAL, nos Olivais, em Lisboa, amostras trazidas das captações em
garrafas de um litro de água são, através de métodos de cromatografia,
reduzidas a pequenos tubos de ensaio. “O objectivo é aumentar os níveis
de concentração para detectar substâncias que de outro modo seria
impossível encontrar”, explica a responsável da EPAL, que garante ter ao
seu dispor tecnologia ao nível da dos melhores laboratórios do mundo.
“Até
hoje, a única substância que encontrámos acima dos valores limite na
água da EPAL foi o ferro, que não é prejudicial à saúde”, garante Maria
João Benoliel, explicando que o único motivo pelo qual a empresa
controla esta substância não tem que ver com os efeitos nos humanos, mas
sim na roupa. “Controlamos, porque deixa a água amarela e isso estraga a
roupa”.
Resolver o problema pode ser tão simples como deixar a
água correr, quando se chega de férias e das torneiras sai um líquido
ferrugento. “Normalmente, o ferro acumula-se quando a água fica parada
nos canos”.
A engenheira química ainda se lembra da vez em que os
resultados das análises do ferro atingiram o pico mais elevado de
sempre em Lisboa.
“Foi numa véspera de Natal e ninguém entendia porque é
que a água na zona do Marquês de Pombal tinha tanto ferro”. As equipas
de análise mobilizaram-se e encontraram a resposta para o enigma. “Tinha
havido umas obras e alguém que fechou uma válvula esqueceu-se de abrir
outra para fazer a água circular. O facto de ter ficado parada durante
dias nos canos fez com que acumulasse ferro”.
Mesmo que o problema
não pareça grave, a EPAL leva sempre a sério os sinais de alerta.
“Quando recebemos uma queixa, através das linhas de apoio ao cliente
accionamos sempre um procedimento de verificação”, garante Maria João
Benoliel, que confessa ter de lidar, por vezes, com situações caricatas.
“Já aconteceu ligarem a dizer que acham que estão a ser envenenados com
arsénio, através da água da rede. E uma senhora uma vez ligou para cá a
queixar-se de que a água sabia a mercúrio, seja lá o que for esse
sabor”. Em todas as situações, a EPAL envia técnicos ao local para
recolher amostras e testar a água. “No final, contactamos sempre os
consumidores para lhes explicar os resultados das análises”.
in sol