17 de março de 2016

Vocologia do fado




Alma e sentimento português desde sempre, Património Cultural Imaterial da Humanidade desde 2011, as vozes do fado foram pela primeira vez analisadas por um grupo de investigadores da Universidade de Aveiro (UA) e do Instituto Politécnico de Setúbal (IPS).

A caracterização das vozes pelos cientistas, que descortinou as vozes tipicamente graves e roucas e com vibrato mais fraco do que a dos cantores líricos, permite agora que os artistas tenham um apoio clínico, pedagógico e artístico à medida das suas necessidades. O estudo envolveu mais de uma centena de fadistas, entre homens e mulheres, profissionais de grande renome e amadores.

«Dada a visibilidade e as exigências artísticas nacionais e internacionais dos fadistas, tornou-se pertinente estudar esta voz, de forma a proporcionar-lhes apoio clínico, pedagógico e artístico com evidência científica», refere Ana Mendes, investigadora do Instituto de Engenharia Electrónica e Informática de Aveiro (IEETA), uma das unidades de investigação da UA, e docente no IPS.

Face aos resultados alcançados, a coordenadora do estudo espera agora que o trabalho seja aproveitado por formadores, cantores, clínicos, otorrinos e terapeutas da fala, para auxiliarem os fadistas a alcançarem melhores performances e a cuidarem melhor do seu instrumento de trabalho, a voz.

«Ao contrário dos cantores líricos, que possuem formação superior, os fadistas têm apenas o que chamam a escola da vida e o acompanhamento clínico preventivo é raro, o que pode dar origem a patologias difíceis de tratar», aponta Ana Mendes.

O projecto, que recebeu o nome de «Vocologia do fado - Desenvolvimento da educação, saúde e performance dos cantores, professores de canto e clínicos da voz do fado», decorreu durante os últimos dois anos e contou com a colaboração das investigadoras da UA Inês Vaz e Soraia Ibrahim. O estudo analisou as vozes de 104 fadistas, 47 homens e 57 mulheres, 14 profissionais e 90 amadores.

«Os resultados revelaram que as vozes dos fadistas masculinos e femininos são acusticamente diferentes nas medidas de frequência fundamental e de perturbação. Estas medidas juntamente com o vibrato foram semelhantes para amadores e profissionais e para as várias idades. Por fim, o formante do cantor [projeção vocal] está raramente presente», aponta Ana Mendes.

Para traçar o perfil áudio percetual das vozes, as investigadoras criaram a EAVOZC: Escala de Apreciação de Voz Cantada com o objectivo de quantificar e qualificar com rigor parâmetros vocais como, por exemplo, a altura tonal, o timbre ou o brilho.


Os resultados revelaram que as vozes dos fadistas masculinos e femininos são diferentes na altura tonal, na afinação e na rouquidão. Por seu lado, os fadistas profissionais apresentam maior afinação, emoção e precisão articulatória, assim como menor tensão que os amadores. A voz do fadista masculino é caracterizada por timbre escuro enquanto a do fadista feminino apresenta timbre claro e brilho.

«Não havia até agora nenhum instrumento que pudesse uniformizar a terminologia científica e artística e ser utilizado por professores de canto, terapeutas da fala, otorrinolaringologistas, cantores e todos aqueles que tenham interesse em caracterizar a voz cantada», refere Ana Mendes.

Jan Kubelik plays "Zephyr" by Hubay